O Oscar de “Flow” e a importância da criatividade no universo de Animação e Games

Criado de maneira independente na Letônia, com uso do softawe gratuito Blender, o filme comprova que a criatividade e inovação podem ser mais relevantes que os recursos técnicos avançados

Dirigido por Gints Zilbalodis, a animação “Flow” ganhou destaque no mundo todo ao conquistar o Globo de Ouro e o Oscar de Melhor Animação em 2025. A produção da Letônia, de orçamento enxuto de menos de US$ 4 milhões, narra a história de gato que perde seu lar para uma inundação devastadora e inicia uma jornada em um barco com animais espécies variadas, destacando a importância da colaboração e aceitação das diferenças.

Explorando a convivência entre diferentes espécies e a capacidade de adaptação em meio às incertezas, a história constrói uma conexão emocional com o público, de maneira inovadora e criativa. Criada com o software Blender – programa gratuito e de código aberto para edição de vídeo, modelagem 3D, animação, renderização e efeitos visuais – a animação independente impressionou a crítica e o público por conta da construção narrativa completamente diferente das animações convencionais e por sua inovação técnica, apesar do baixo orçamento.

Sem usar palavras, apenas sons reais do reino animal, o filme proporciona uma experiência sensorial diferenciada. Ao invés de limitar a narrativa, a ausência de diálogos humanos aproxima o espectador do mundo natural e desperta novas emoções. A escolha cuidadosa de cada detalhe sonoro reforça uma tendência crescente no cinema: o compromisso com a autenticidade.

O protagonista felino teve seus sons retirados dos miados de Miut, a gata do engenheiro de som Gurwal Coïc-Gallas. Para resolver o desafio do som natural da capivara ser considerado muito agudo para a transmitir a personalidade tranquila que o diretor Gints Zilbalodis desejava para o personagem, a produção substituiu os sons reais da capivara pelo som de um camelo bebê, que se encaixou melhor na proposta da narrativa. Tais escolhas só comprovam o quanto as decisões criativas influenciam completamente na percepção de um personagem.

A criação dos personagens, feita com modelagem simples, remete às pinturas em aquarela e é completamente distante do hiper-realismo das animações milionárias dos grandes estúdios de Hollywood, se estabelecendo com uma identidade única e reforçando a importância da experimentação nos filmes de animação. O traço fluido que cria uma atmosfera lúdica faz com que os cenários e os animais interajam de maneira única em um ambiente imersivo e dinâmico. O filme revoluciona ao subverter as expectativas e focar na jornada emocional, abandonando qualquer resquício de estrutura narrativa convencional para criar uma história envolvente que conquista através de suas imagens e sons.

Renderizado em tempo real com EEVEE do próprio Blender e com as cores ajustadas com Shaders, o filme teve sua versão final tirada do PC pessoal do diretor. Em vez de storyboards tradicionais, Gints Zilbalodis criou um set de filmagem digital para planejar os enquadramentos e composições. O sucesso nas principais premiações do mundo mostra a força das produções independentes, que frequentemente enfrentam desafios financeiros significativos em comparação aos grandes orçamentos dos principais estúdios de animação. “Flow” vem para mostrar como a arte pode superar barreiras financeiras.

“Acredito que ‘Flow’ abriu portas para pessoas ao redor do mundo pensarem em fazer animação com softwares livres, o que abre muitas possibilidades baratas para a criatividade. Leva um tempo para processar que ganhei um Oscar, me sinto inspirado”, disse o diretor em entrevista à CNN após ganhar o Oscar. Ele tem razão. Todo o reconhecimento do filme não serve apenas para reafirmar a qualidade da obra específica, mas também para destacar a importância da resiliência e da criatividade dos produtores independentes.

No final, o uso de tecnologias simples e acessíveis e o reconhecimento da importância da criatividade em detrimento das “pirotecnias tecnológicas” revolucionam não apenas o modo como as animações são produzidas, mas também transformam quem as cria. Ferramentas como o Blender democratizam o mercado animação, permitindo que novos talentos criativos se destaquem no mercado global. Se tudo der certo, essas transformações terão como resultado uma indústria mais diversificada, onde histórias criativas construídas de maneira inovadoras ganharão cada vez mais espaço.

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