Apesar da justificável preocupação de profissionais criativos com os impactos nos empregos e na criatividade em si, a inteligência artificial pode se tornar uma aliada e, inclusive, criar novas demandas de trabalho
Os muitos e rápidos avanços das tecnologias de inteligência artificial (IA) nos últimos anos foram pautas de diversas discussões e causaram preocupação entre os profissionais de criação sobre seus possíveis impactos nos empregos da indústria da economia criativa e até na criatividade humana. Apesar da inquietação ser totalmente compreensível, hoje, sem os humanos, as plataformas de IA ainda são tão inúteis quanto um carro comum sem motorista. Sem um criativo a alimentando com ideias e direcionamentos, nem a mais moderna e poderosa plataforma é capaz de criar absolutamente nada.
Já não há mais dúvidas de que a IA Generativa, que emprega dados, algoritmos e técnicas de aprendizado de máquina para produzir resultados em diferentes áreas, prima pela eficiência e produtividade, abrindo um leque de oportunidades para os negócios e potencializando a inventividade humana em processos, comunicação, produtos e serviços. Graças a automação de tarefas repetitivas e rotineiras, o uso da IA permite que os seres humanos se concentrem mais nas atividades estratégicas e criativas, aumentando a eficiência das atividades criativas.
Em 2019, pesquisadores da Harvard Business Review destacaram o uso da IA para gerar soluções criativas e inovadoras em organizações. Um estudo concluiu que a IA pode ser particularmente eficaz na geração de ideias quando combinada com a experiência e o conhecimento humanos. Outro estudo, realizado por pesquisadores da Universidade de Stanford, publicado na revista “Nature”, destacou como as ferramentas de inteligência artificial são eficazes em melhorar a criatividade das equipes de trabalho. Eles descobriram que a combinação de habilidades humanas e IA levou a resultados mais inovadores e criativos em projetos de design e engenharia.
Para além da otimização de tarefas rotineiras, as ferramentas de IA também podem potencializar a criatividade humana por meio da geração de insights, ao analisar grandes volumes de dados rapidamente, fornecendo repertório para embasar decisões criativas. Algumas ferramentas podem, inclusive, atuar como coautoras, gerando ideias ou alternativas para designs, textos e até estratégias, promovendo uma colaboração entre IA e humanos.
Publicado recentemente na revista Science Advances, um estudo realizado pelos pesquisadores Anil Doshi e Oliver Hauser, do University College de Londres, concluiu que a IA pode ser usada para turbinar a criatividade individual na escrita. O experimento, realizado com 900 voluntários, comparou os textos produzidos com ou sem interferência da IA usando três parâmetros: “originalidade”, “apreciação” e “utilidade”. A inteligência artificial conseguiu elevar as notas dos dois primeiros quesitos entre 10% e 22%, para os voluntários que inicialmente foram ranqueados como menos criativos. No âmbito coletivo, porém, o uso de IA reduziu a diversidade de ideias.
É claro que tudo pode mudar a qualquer momento e, portanto, a preocupação com o futuro é natural. As tecnologias todas continuarão avançando rapidamente e não temos certeza de que resultados elas poderão alcançar. Porém, temos uma longa história de parcerias entre humanos e tecnologia que nos ajuda a vislumbrar probabilidades. Usemos a indústria automobilística como exemplo: por mais de um século, o carro, um avanço tecnológico incrível na época em que foi inventado, foi essencialmente inútil sem um motorista humano. E mesmo hoje, depois de bilhões de dólares investidos no desenvolvimento de veículos autônomos, a complexidade do desenvolvimento de novas leis para introduzir carros sem motorista em ruas cheias de pessoas e o gosto dos humanos por dirigir fazem com que ainda estejamos longe de uma realidade em que veículos autônomos sejam a maioria.
O mesmo ocorre com a inteligência artificial. Tais ferramentas não foram desenvolvidas para criar ou tomar decisões em nosso lugar. A ferramentas foram feitas para servir como catalisador da criatividade humana. Lembrando que um catalisador é uma substância que acelera uma reação sem ser consumida por ela e sem criar e nem alterar nenhuma reação química. O catalisador apenas torna reações químicas mais rápidas e eficientes, ajudando os reagentes a alcançarem o resultado final dos experimentos.
A questão principal para a indústria criativa, portanto, não é regular as tecnologias de IA para proteger as formas como costumávamos trabalhar e criar, mas sim aprender a usar tais tecnologias para gerar campos de trabalho totalmente novos e potencializar a nossa criatividade. Ao invés de enxergarmos a IA como inimiga, podemos trabalhar para transformá-la em aliada poderosa.
Incorporar a IA no processo criativo pode ser um desafio às fronteiras tradicionais da arte e da cultura. As muitas novas ferramentas disponíveis provavelmente nos obrigarão a repensar nossas definições pré-estabelecidas de originalidade, autoralidade e autenticidade. Os avanços da IA levantam questões relevantes sobre o papel dos criativos, sim, mas também oferecem soluções inesperadas para dilemas difíceis e, portanto, podem abrir novas dimensões para a jornada da humanidade e expandir os horizontes do possível.
A inteligência humana é uma complexa combinação de lógica, emoção e criatividade que é muito difícil de ser replicada por ter sua origem não apenas na biologia, mas também no desenvolvimento pessoal. Parte dela é moldada pelo DNA e parte depende do treinamento da mente. Porém, é fundamental entendermos que o mundo atual exige algo que transcende a inteligência, seja ela humana ou artificial: o pensamento crítico.
Martha Gabriel – autora dos best-sellers “Marketing na Era Digital”, “Educar: A Evolução Digital na Educação” e “Você, Eu e os Robôs”, considerada um dos principais pensadores digitais do Brasil – aponta o pensamento crítico a principal forma de aprimorarmos nossa inteligência. Segundo ela, o pensamento crítico é exatamente o que permite nos mantermos à frente dos processos cada vez mais automatizados e velozes, por nos obrigar a reavaliar nossas crenças e buscar uma compreensão mais autêntica do mundo. Resumindo, a verdadeira revolução tecnológica não está apenas nas ferramentas que desenvolvemos, mas principalmente na maneira como as utilizamos.