Nascida na Itália e naturalizada brasileira, a arquiteta se tornou referência mundial se tornando a primeira profissional do país a receber o Leão de Ouro por sua trajetória e pelo conjunto de sua obra na 17ª Biennale di Venezia
O Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand celebrou, no último dia 01 de outubro, seu aniversário de 75 anos. Apesar de ter sido fundado em 1947, o MASP veio a se consolidar cmo um dos principais pontos artísticos da capital paulista apenas depois de ter sua sede original, instalada na rua 7 de Abril, no centro da cidade, transferida para o atual endereço na avenida Paulista, em 1968. Hoje em dia, convenhamos, é impossível pensar no MASP sem automaticamente sermos remetidos para a imagem do icônico projeto de Lina Bo Bardi, que transformou completamente a relevância do museu para o mundo.
Desde a escolha da localização privilegiada, com vista espetacular em uma das mais importantes avenidas da cidade, até a criação da estrutura arquitetônica com base no uso do vidro e do concreto, que concilia superfícies ásperas e sem acabamentos com leveza, transparência e suspensão, o projeto todo do MASP foi pensada da maneira a romper com a noção clássica dos museus europeus. Não à toa, Lina Bo Bardi, que já havia sido responsável pela adaptação do edifício dos Diários Associados para abrigar as atividades do MASP, foi a escolhida para a criação do edifício, que se tornou cartão postal da quinta maior cidade do mundo.
Ainda que seja um dos mais ou o mais famoso, o MASP é apenas um entre os muitos projetos que fizeram da arquiteta ítalo-brasileira um marco na arquitetura e arte do Brasil. Lina Bo Bardi era uma mulher à frente de seu tempo, que enfrentou todas as restrições que lhe foram impostas, quebrou paradigmas e influenciou a mudança de pensamento no país, não apenas por meio da construção de edifícios, mas também através de seus muitos trabalhos como ilustradora, cenógrafa, designer, escritora, curadora e artista visual.
Com espírito moderno que transformou as formas de se entender a arte e a arquitetura no país, a mulher multifacetada compreendeu a cultura brasileira a partir de uma perspectiva antropológica, criando uma convergência entre vanguarda estética e tradição popular, e se tornou referência mundial ao provar que o moderno pode se unir com o simples, com o plural.
Em uma época em que a sociedade não havia sequer começado a implementar as importantes transformações na busca pela igualdade de gênero, Lina Bo Bardi conquistou seu espaço no mercado de trabalho, na produção intelectual e na esfera pública. Pioneira na maioria desses espaços, a artista abriu o caminho para a participação política e intelectual das mulheres no Brasil em um cenário em que o exercício da arquitetura era praticamente exclusividade dos homens.
Nascida na Itália Achillina di Enrico Bo, Lina formou-se em Arquitetura pela Universidade de Roma, em 1939. Ainda em seu país natal, fundou o estúdio Bo e Pagani, com o arquiteto Carlo Pagani, e realizou trabalhos para o escritório de Gio Ponti, famoso arquiteto e designer italiano. Durante a Segunda Guerra Mundial, começou a se aventurar em colaborações para diversas publicações de arquitetura e estilo, promovidas principalmente por instituições ligadas ao Movimento Moderno. Em 1943, após um bombardeio destruir seu escritório em Milão, a arquiteta assumiu a direção de uma importante revista de arquitetura, arte e design, a Domus.
Em 1947, Lina e seu marido, Pietro Maria Bardi, resolveram mudar-se permanentemente para o Brasil, onde Pietro foi convidado por Chateaubriand a dirigir exatamente o Museu de Arte de São Paulo (MASP) – ainda em sua primeira sede. Além do novo espaço museu paulista, Lina assinou projetos como a Casa de Vidro, o Solar do Unhão (Museu de Arte Moderna da Bahia), o SESC Pompéia – eleito um dos dez melhores prédios de concreto do mundo -, e o Teatro Oficina, entre outros.
Considerada uma das mais importantes arquitetas do modernismo, Lina acreditava que pensar a arquitetura e a construção civil implicaria obrigatoriamente em pensar nas pessoas que geram contato com esses locais e, por isso, prezava pela construção de espaços cuja finalização se daria pelo uso cotidiano dos locais. “No fundo, vejo a arquitetura como serviço coletivo e como poesia. Alguma coisa que nada tem a ver com arte, uma espécie de aliança entre dever e prática científica”, afirma ela no documentário “Lina Bo Bardi”, dirigido por Aurélio Michiles e lançado em 1993, um ano após sua morte.
A arquiteta se naturalizou brasileira em 1951, cinco anos depois de ter chegado ao país, mesmo ano em que projetou a Casa de Vidro, sua primeira residência em São Paulo, no bairro do Morumbi, implantada de modo a manter a inclinação natural do terreno, em meio à Mata Atlântica. O projeto, que faz referência aos cinco pontos da nova arquitetura estabelecidos por Le Corbusier, criador da arquitetura moderna, abriga hoje um instituto dedicado ao trabalho e ao acervo de arte que Lina e Pietro reuniram durante suas vidas.
Recentemente, Lina Bo Bardi foi consagrada com o Leão de Ouro especial pela sua trajetória e conjunto da obra na 17ª Mostra Internacional de Arquitetura de La Biennale di Venezia. Hashim Sarkis, curador da Biennale di Architettura 2021, foi quem a recomendou para receber a honraria, posteriormente aprovada pelo Conselho de Administração da La Biennale di Venezia.
Em sua indicação, o arquiteto, curador e educador libanês resumiu muito bem a importância da arquiteta em todo o mundo: “Sua carreira como designer, editora, curadora e ativista reforça o papel do arquiteto como organizador e, mais importante, como construtor de visões coletivas. Lina Bo Bardi também personifica a perseverança da arquiteta em tempos difíceis, sejam guerras, conflitos políticos ou migração, com sua capacidade de permanecer criativa, generosa e otimista durante todo o processo. Acima de tudo, são seus pujantes edifícios que se destacam em termos de projeto e na forma como unem arquitetura, natureza, vida e comunidade. Em suas mãos, a arquitetura se torna verdadeiramente uma arte social que convoca as pessoas.”